Da Respiração à Concentração/Meditação
A ciência ocidental considera a respiração somente como fenómeno fisiológico: o organismo utiliza o oxigénio para que o sangue possa alimentar as células do corpo. Parar de respirar é morrer.
Para os orientais, no entanto, através da respiração podemos também aceder a outros planos. Sendo este o único processo fisiológico duplamente voluntário e involuntário podemos acelerar, retardar, parar e recomeçar o ritmo respiratório. O acto de respirar é também psicológico e prânico pois faz parte dos planos fisiológico, psíquico e prânico (prana é a energia cósmica, que existe em tudo). Há, então, em cada um de nós, um duplo ritmo respiratório: um ligado à vida consciente e outro à inconsciente. Normalmente não temos consciência do acto de respirar. Na ciência oriental, a respiração é elevada ao nível da percepção lúcida: podemos ter a iniciativa e controlar o fluxo de ar. Ainda segundo a ciência oriental, a respiração duma pessoa sadia faz-se mais fortemente por uma narina que por outra. A respiração alterna de duas em duas horas em cada narina. A narina esquerda é a que mais frequentemente funciona mal pois é por onde circula a corrente negativa. Sendo a respiração de vital importância e tendo os orientais essa consciência, praticam vários exercícios respiratórios sendo os mais comuns os chamados de respiração Pranayama (de prana + Yama = controlo, domínio, manipulação) ou seja, domínio do alento vital e da energia da vida. As duas técnicas mais vulgares são a do Pranayama purificador que purifica as células e equilibra o sistema nervoso e o concentrador cuja prática constante abre a percepção interior e activa os centros de força, principalmente o Coronário e o Frontal.
Como se nota, no Oriente os exercícios respiratórios são um processo de concentração e meditação. Torres Pastorino, no livro “Técnica da Mediunidade”, diferencia três estados de interiorização: concentração, meditação e contemplação e define-os do seguinte modo: concentração é “prestar atenção”, plenamente, sem que a mente pule de uma ideia para outra. Não requer rigidez física mas sim relaxamento muscular, serenidade e quietude, procurando “esquecer” os veículos físicos. Porém a concentração não é passiva, mas activa. Mediante uma concentração mental podemos anular uma dor, dominar a raiva, extinguir uma emoção. E cita o Bhagavad Gita: “a mente pode ser subjugada pela prática constante e pela indiferença”. A meditação é o exercício continuado da concentração sobre determinado tema. Existe um tipo superior de meditação, que só pode ser ensinada pessoalmente, pois exige de quem a pratica requisitos especiais. A contemplação é sintonizar e identificar-se ao objecto ou tema contemplado, mergulhando nele e conhecendo-o pela união total, fundindo o próprio eu na essência dele.
Para os orientais, a energia cósmica jaz adormecida na base da coluna e denominam-na Kundalini. A palavra deriva do sânscrito que significa, literalmente, “enrolada como uma cobra” ou “aquela que tem a forma de uma serpente”. Quando acorda, sobe pela coluna activando os centros de força enquanto vai à procura do seu companheiro, Shiva, que a aguarda num estado de consciência pura. Este conceito é usado para exercícios de concentração e de activação dos centros de força ou chakras. Como? Dos inúmeros exercícios possíveis, escolhemos um baseado num texto de Anodea Judith.
Concentramo-nos e imaginamos a Kundalini Shakti a dormir enroscada três voltas e meia na base da coluna. A Kundalini acorda e começa a subir ao longo da Sushumna, a coluna vertebral. Inicia o percurso no chakra básico, o lótus vermelho de 4 pétalas chamado “Muladhara” que significa “suporte”, “raiz”. Representa o mundo material, a energia física. O seu elemento é a terra; representa o instinto de sobrevivência e a nossa ligação primária à matriz da vida terrestre. Acordado este centro, sobe para o esplénico, lótus alaranjado de seis pétalas, o “Svadistahana” que significa o “nosso próprio lugar”. O seu elemento é a água e representa a dualidade da existência, opostos atraindo-se, movendo-se e flutuando um para o outro, para se fundir como um único Ser. Chegamos ao fluxo principal da energia da Força Vital. A Kundalini serpenteia e, de uma só vez, divide e une criando o eterno yin e yang da existência. No corpo, este centro é a semente do movimento, sensações, desejo, prazer, emoções. É onde os corpos se fundem num oceano de bênçãos. Das águas do segundo chakra ascendemos ao plexo solar, o umbilical, o lótus amarelo de 10 pétalas chamado “Manipura” que significa “jóia brilhante”. O seu elemento é o fogo. É a faísca da consciência que inflama as chamas da nossa vontade para a fortalecer, para queimar toda a resistência revitalizando todo o corpo e dando-nos energia para fortalecer a nossa vontade. Para manter essa chama viva ao longo das dificuldades devemos aprender a dominar as nossas energias. Este fogo transporta-nos e sustenta-nos enquanto queimamos o Ego e nos dissolvemos na verdadeira fonte que é a Manipura.Deixando o terceiro chakra elevamo-nos para o coração, o cardíaco, para o lótus verde de 12 pétalas chamado “Anahata” que significa “Invicto” ou “Ileso”. O elemento deste chakra é o ar. A Kundalini transporta-nos para abraçar o despertar do espírito divino. Expandindo-se no elemento Ar a cada respiração nossa, fluímos em direcção ao infinito ao transcendermos o Ego. Unindo Céu e Terra, masculino e feminino, mente e corpo, em perfeito equilíbrio, o coração é um lugar suave, terno, um lugar de compaixão e união. Acordado, o coração bate com o ritmo da vida pulsando com amor em nós e em tudo que nos rodeia, no humano e no divino. À medida que abrimos o coração, ligamo-nos ao coração universal, amanhecendo nas fronteiras da consciência social.
Do equilíbrio do coração, passamos ao lótus azul de 16 pétalas, situado na garganta, chamado “Vishuda” e que significa “purificação”. A Kundalini acorda as vibrações no interior do centro laríngeo. Um som, transportado pela nossa respiração, abre a nossa expressividade para a música das estrelas. Partindo do OM primordial, ondas de vibração estendem-se por toda a criação permitindo juntar as nossas vozes ao coro da vida.
Enquanto o quinto chakra vibra na garganta, subimos para o chakra entre as sobrancelhas, o frontal, um lótus de apenas duas pétalas chamado “Ajna” que significa “Prosseguir e comandar”. Kundalini é agora uma brilhante serpente de luz que vai activar o sexto chakra, o terceiro olho, o centro da visão, percepção e do ilimitado mundo da luz. As duas pétalas deste chakra conduzem a resolução da dualidade para o foco único do terceiro olho. Este é o chakra da percepção, da imaginação, o lugar que revela a radiante luz interior. Foquemos a consciência neste centro para encontrar a intuição, para descobrir a visão, para nos banharmos na beleza do mundo interior à medida que a consciência atravessa a ilusão trazendo a claridade. Enquanto o terceiro olho se abre entre os olhos físicos, entramos numa meditação que revela a luz interior. Temos de acompanhar, numa postura tranquila, a visão que nos guia ao nosso mundo interior. Após termos encontrado este caminho, a Kundalini ascende ao topo pelo chakra no cimo da cabeça, o coronário, “Sahasrara”, que significa “multiplicado por mil”. Totalmente completo da base ao topo, o sétimo chakra pode florescer como o lótus das mil pétalas, da consciência infinita que emana da consciência interior. Desdobrando-se na consciência infinita, a natureza da consciência não tem limites.
Finalmente a Kundalini encontra-se com o seu companheiro divino, Shiva, que dá vida às estrelas, e nos conduz para além dos planos inferiores para viajar no coração do cosmos, para a consciência universal que é a fonte de tudo.
E agora fazemos a viagem de regresso descendo através de cada chakra, sabendo que despertámos o lótus de mil pétalas da consciência cósmica, que vimos a beleza do mundo interior, que abrimos as nossas gargantas ao canto, que nos unimos no amor forjado no fogo, dançámos nas águas da dualidade e encontrámos o nosso caminho de regresso a casa.
Todos os chakras estão acordados, vivificados dentro de nós, parte de um só Ser, unidos da base ao topo, energizados e completamente iluminados. Do Um à multidão e da multidão ao Um, somos a ponte do arco-íris entre os mundos.
Fontes:
Textos de Fernanda Loureiro, Carlos Torres Pastorino e Anodea Judith
Texto apresentado e discutido em 17 de Maio de 2011, 3ª feira, na AELA