A real incidência de crianças que se lembram de suas vidas passadas é desconhecida. Uma pesquisa realizada na Índia, na década de 70, revelou que aproximadamente uma em cada 500 crianças se lembra de fragmentos de vidas passadas. Se a mesma proporção houvesse no Brasil, com uma população de aproximadamente 16 milhões de crianças de até 4 anos, segundo o censo de 2000, haveria aqui, mais ou menos, 33 mil casos de crianças lembrando de suas vidas passadas. Como os espíritas representam 3% da população, então, podem existir quase mil crianças em famílias espíritas que estão vivenciando isso neste exato momento.
Parece haver uma maior incidência em alguns países do que em outros. Uma forte crença na reencarnação permite a criança falar sobre uma vida prévia sem ser desacreditada ou mesmo reprimida – como acontece freqüentemente com as crianças ocidentais. Entretanto, isso não quer dizer que não possa ocorrer na sua vizinhança ou mesmo na sua família.
Marcas de nascença
Nos Estados Unidos, o psiquiatra norte-americano Ian Stevenson(falecido em 2007), da Universidade da Virginia, conseguiu coletar mais de 2.600 casos de crianças que lembravam de suas vidas passadas. De que maneira ele obtinha as informações de suas pesquisas? Stevenson colhia os dados dos informantes meses ou anos após a manifestação das crianças e, em menor número, logo após o fato ter ocorrido. E o mais importante na verificação dos casos é a correlação que existia entre as informações coletadas e as marcas ou os defeitos de nascença (birthmarks).
Essas marcas e defeitos são importantes por três razões:
1) Elas fornecem um tipo objetivo de evidência mais confiável do que a memória dos informantes. Os dados eram fotografados ou rascunhados na forma de desenhos e também eram adquiridas informações nos institutos médico-legais do exame post mortem;
2) Elas fornecem uma evidência de que uma personalidade morta e que tenha sobrevivido à morte pode influenciar o corpo de um novo ser;
3) E talvez o mais importante: oferecem uma explicação melhor do que qualquer outra até agora disponível, por que algumas pessoas têm defeitos de nascença enquanto a maioria das pessoas não tem? Por que algumas pessoas que têm defeitos de nascença, os têm num certo local e não em outro?
Pesquisas sobre os defeitos de nascença têm identificado várias causas: fatores genéticos, certas infecções virais e químicas. Essas e outras causas conhecidas respondem por menos de 50% dos casos. As ditas causas desconhecidas variam entre 43,2% e 70%. Mesmo se considerarmos os casos médicos identificados, a medicina moderna não tem nenhum conhecimento do porquê uma pessoa tem um defeito de nascença e outra não. Na verdade, a medicina moderna, que é reducionista e tem uma abordagem mecânica da doença, explica isso como o efeito do acaso. A hipótese reencarnacionista explica como forma de relação casual com outra vida.
Diferentemente dos defeitos de nascença quase todo mundo tem uma marca de nascença. Uma pesquisa revelou que um adulto tem aproximadamente 15 marcas de nascença no seu corpo. Com raras exceções dos casos relacionados com herança genética – mostrando uma marca de nascença no mesmo local dos pais –, absolutamente nada é conhecido do porquê uma pessoa tem uma marca de nascença em um local ao invés de outro. O trabalho de Ian Stevenson responde em parte a algumas dessas questões.
Como identificar
De que maneira ele sistematizou a coleta de informação de um caso? Aqui estão alguns itens, mas não significa que todos ocorreram desta maneira:
1) Um idoso pode expressar o desejo de renascer em certa família, pois acredita que eles serão bons pais;
2) Sonhos anunciantes. Um ou mais sonhos nos quais uma pessoa falecida aparece e expressa sua intenção de renascer junto a um casal particular. O sonhador geralmente é a mulher que será a mãe do futuro bebê. Algumas vezes outros membros da família ou mesmo amigos sonham. Os sonhos podem acontecer apenas antes do parto ou na concepção – os que ocorrem na concepção são mais entre os povos Tlingit do Alasca e entre os birmaneses. Segundo a crença budista, a alma se une ao corpo no momento da concepção e não pode se comunicar após essa união. Uma variante desses sonhos é que a pessoa falecida aparece para sua família e diz que renascerá ou renasceu em tal local com outra família. Esses são os sonhos de partida;
3) Os pais notificarão, imediatamente, a presença de marcas de nascença ou defeitos de nascença assim que o bebê tiver nascido;
4) O principal achado no desenvolvimento do caso ocorre quando a criança começa a falar ou logo após. Se uma criança falar sobre uma vida prévia, ela o fará com a idade entre dois e quatro anos. Elas podem pronunciar erradamente palavras ou usar gestos para se comunicar. No início pode não fazer sentido para os pais, que só entendem quando a criança fala claramente;
5) A maioria das crianças continua a falar sobre sua(s) vida(s) prévia(s) até que tenham entre 5 e 8 anos. Nessas idades a memória parece desaparecer. Algumas crianças parecem continuar lembrando, mas param de falar. Especialmente se for uma menina que diz ter um marido e filhos, pois isso poderá causar constrangimentos. Isso causará um constrangimento ou mesmo um comprometimento;
6) A maioria das crianças fala sobre a sua vida passada com intensidade, mesmo com fortes emoções, para surpresa dos pais;
7) A maioria não distingue o passado do presente e pode usar os verbos no presente em referência a uma vida prévia. Eles podem dizer: tenho uma esposa e dois filhos. Eu moro em Agra… As afirmações são variadas, podem ser apenas duas ou três, mas se repetem com freqüência. E existem crianças que jamais falam qualquer coisa, mas são identificadas pelas marcas ou defeitos de nascença.
8) O conteúdo das afirmações geralmente inclui algumas informações a respeito da causa da morte na vida prévia. Isso é particularmente verdadeiro se a morte foi violenta. Além disso, a criança geralmente fala sobre a família da vida prévia. Pode dizer, por exemplo, “meus pais verdadeiros” para distinguir dos pais atuais. As crianças geralmente pedem e às vezes importunam os pais para levá-las até a sua família anterior. Cedo ou tarde, os pais acabam cedendo ao desejo, em parte para aquietar a criança e em parte para saciar a própria curiosidade;
9) Se a criança deu detalhes adequados e suficientes, é possível identificar uma pessoa falecida cujos fatos da vida conferem com as afirmações das crianças. Se a personalidade prévia é identificada, o caso é dado como resolvido. Podem ser também não resolvidos ou categorizados como fantasia. Quando as famílias se encontram, elas trocam informações e conferem o quanto das afirmações são verdadeiras. A criança pode reconhecer espontaneamente pessoas, objetos e lugares. Ian Stevenson atribui pouco valor a isso, tendo em vista que a criança pode receber induções indiretas dos adultos;
10) A criança comporta-se de maneira não harmoniosa com a atual família, mas em harmonia com a prévia, principalmente se houve uma diferença de classe, pode falar que tinha vários servos, morar em um palácio, exigir determinadas coisas, recusar a comida ou ter diferentes hábitos de limpeza;
11) Fobias, normalmente relacionadas com o tipo de morte da vida prévia, ocorrem em aproximadamente 35 % dos casos. Criança que lembra que morreu afogada pode ter pânico quando entra em contato com água. Há fobias de armas, carros, ônibus ou caminhões. As fobias aparecem antes de as crianças começarem a falar e elas não vivenciaram nada que pudesse levá-las a esse comportamento;
12) As filias ocorrem, também, freqüentemente. Elas usualmente tomam a forma de um desejo ou exigência por determinadas comidas ou roupas ou desejo por álcool, tabaco. Poucas mostram habilidades para as quais não foram ensinadas;
13) Em alguns casos existe mudança de sexo. 26% referiram-se a essa mudança, mas isso varia de país para país. A criança fala como se fosse uma pessoa do sexo oposto, usando roupas, brincando de jogos e tendo outras atitudes daquele sexo. Isso normalmente desaparece, mas alguns que se fixam acabam se tornando homossexuais;
14) Costumam expressar a memória através de brincadeiras e podem ensaiar o tipo de morte que tiveram, especialmente, se foi suicídio;
15) Foram violentas 51% das mortes. E elas costumam lembrar de outras pessoas e dos assassinos. Essas lembranças causam muitos distúrbios, angústias, e medos. Com relação a hábitos, eles são mais marcantes especialmente se a criança muda de país e de civilizações.
Outras constatações são:
• Sonhos anunciantes – freqüentes em Burma e Tlingit do Alaska e poucos no Sri Lanka e EUA;
• Mudança de sexo – 26% em Burma, 18% Nigéria, 13 % Tailândia, 3% Índia, e Líbano e tribos indígenas da América do norte: 0%;
• O intervalo entre a morte da personalidade prévia e o nascimento da nova varia de 4 (América do Norte) a 34 meses (Nigéria);
• A despeito da crença na reencarnação ser vista com ceticismo no ocidente e, em particular pela ciência, ela parece ser a melhor explicação nesses casos em que existe uma associação entre lembrança de uma vida prévia e a presença de marcas e ou defeitos de nascença.
Características universais
São particulariedades que ocorrem tão freqüentemente que o psiquiatra Ian Stevenson as chamou de universais. São quatro:
1) Idade precoce para falar sobre sua vida passada normalmente entre 2 e 4 anos;
2) A idade com que pára de falar sobre as memórias é entre 5 e 8 anos;
3) Uma alta incidência de morte violenta na vida prévia;
4) Menção freqüente do tipo de morte.
Para saber mais
Infelizmente, o único livro traduzido para o português do psiquiatra Ian Stevenson está esgotado. Seguem aqui algumas sugestões em inglês; você pode adquirir os exemplares pela loja virtual www.amazon.com (é necessário cartão de crédito internacional). Para saber mais sobre o pesquisador, acesse a página http://www.healthsystem.virginia.edu/internet/psychiatric/stevenson.cfm, também em inglês.
Where reincarnation and biology intersect; de Ian Stevenson. Praeger Publishers;
Reincarnation and Biology; de Ian Stevenson. Praeger Publishers;
A contribution to the etiology of birthmarks and birth defects; de Ian Stevenson. Praeger Publishers.
Tucker, Jim. Vida antes da Vida- Uma pesquisa científica das lembranças que as crianças têm de vidas passadas. Ed. Pensamento. São Paulo.2007.
Franklin
Fonte: Associação Brasileira de Pedagogia Espírita