Uma Associação Espírita é um ser coletivo, formada por um grupo de pessoas com um objetivo comum: o estudo e a divulgação da Doutrina Espírita, no seu aspeto científico, filosófico e religioso e a ajuda espiritual a quem ela recorre. Grupo de pessoas essas cuja imperfeição moral é uma caraterística comum a todos.
Esta nossa reflexão vem a propósito do relacionamento em grupo. Onde todos nós, como seres sociais que somos, necessitamos de manter esse relacionamento como imprescindível à nossa evolução espiritual. Algo muitas das vezes difícil, onde a nossa imperfeição moral mais do que criar problemas aos outros, surge como o pior obstáculo perante essa evolução.
150 anos atrás, Allan Kardec, com a sua longa experiência e profundo conhecimento sobre a natureza humana, alertava para os obstáculos existentes no relacionamento dos grupos espíritas. Na Revista Espírita – Dezembro / 1861 – sob o tema “Organização do Espiritismo”, o codificador da Doutrina Espírita, entende que uma das primeiras condições para a constituição de um grupo espírita é a sua homogeneidade, sem a qual não haverá comunhão de pensamentos. E para que as reuniões dos grupos espíritas possam ser estáveis e sérias terá de existir simpatia entre os componentes do grupo, e isso não é possível entre pessoas com idéias divergentes e que fazem oposição surda, quando não aberta.
Kardec entende que cada um pode e deve expressar a sua opinião, mas que existem pessoas que discutem para impor a sua, e não para esclarecer. Insurge-se contra o espírito de oposição sistemático. Insurge-se contra as idéias préconcebidas, que não cedem nem mesmo perante a evidência. No fundo, para Kardec, tais pessoas são, sem dúvida, uma causa de perturbação que é preciso evitar.
O curioso é que Kardec a este respeito observa que as reuniões espíritas estão em condições excepcionais, pois o que elas requerem, acima de tudo, é recolhimento. Mas, logo a seguir questiona como estar recolhido se, a cada momento, somos distraídos por uma polémica acrimoniosa. Se, entre os participantes, reina um sentimento de azedume e quando se sente à nossa volta seres que sabemos hostis e em cuja fisionomia se pode ler o sarcasmo e o desdém por tudo quanto não concorde inteiramente com eles.
Voltando aos dias de hoje, não será difícil encontrar nas reuniões mediúnicas que se realizam, um pouco por toda a parte, alguns dos problemas decorrentes do relacionamento entre os seus participantes.
Uma reunião medúnica pelas caraterísticas dos seus principais objetivos; desenvolvimento mediúnico dos encarnados e ajuda fraterna aos encarnados e desencarnados, exige um clima de paz, equilíbrio e proteção. Desde o início da reunião até ao seu encerramento, todos os participantes devem observar regras mínimas, sob pena de se frustarem esses objetivos.
Sabemos que um médium é por natureza um sensitivo. O seu psiquismo pode ser facilmente afetado por desiquilíbrios energéticos que ocorram no decurso da reunião mediúnica em que participa, sendo frequente alguns médiuns sairem dessa reunião em pior estado do que entraram. E insistimos neste aspeto, transcrevendo as palavras de Torres Pastorino, retiradas do seu livro “Técnicas da Mediunidade”: “Em contrapartida, os ambientes carregados negativamente, com pensamentos de egoísmo, de discussões, de futilidades, de raivas e personalismos, só permitem reuniões fracas, improdutivas e até perturbadas, delas saíndo os participantes em estado pior do que entraram: mais enfraquecidos, com órgãos psíquicos e físicos afetados.”
Nem todas as reuniões mediúnicas obedecem aos mesmos critérios de funcionamento. Algumas existem sendo precedidas de um período destinado à análise de determinado tema, colocado à consideração dos participantes. Não raro, a invigilância de alguns transforma essa discussão, que se pretende frutuosa e dignificante, em verdadeiros momentos de martírio psíquico coletivo. Donde resulta que o início dos trabalhos mediúnicos, a nível das manifestações mediúnicas, possa ocorrer de forma conturbada, em consequência da interferência negativa ocasionada nas “linhas de força” que, entretanto, foram criadas antecipadamente pelo plano espiritual. E tudo porque, tal como Kardec deixou expresso, existem pessoas que, mais do que pretenderem expressar livremente a sua opinião, discutem para impor a sua e não para esclarecer.
É um equívoco, pensar que as dezenas de livros que tivemos a oportunidade de folhear confere-nos uma autoridade intelectual inquestionável sobre todos os restantes componentes do grupo. Confundimos conhecimento com sabedoria.
Poderemos andar muitos anos envolvidos em tarefas mediúnicas, frequentar asssiduamente centros espíritas, ocupar cargos dirigentes, sem nunca nos aprecebermos de que ainda mantemos a nossa condição de espíritos imperfeitos. Ignoramos que o mais importante na nossa evolução espiritual, passa pela nossa reforma íntima, pela nossa transformação moral, aliás o grande objetivo da Doutrina Espírita.
É fácil encontrar justificações para o comportamento inapropriado que mantemos no seio de um grupo, sendo frequente até responsabilizarmos os nossos companheiros de percurso pelo sucedido. Somos incapazes de nos autoconhecer, o que, quando acontece, acaba sempre por revelar que o verdadeiro problema reside em nós próprios; seres desarmonizados e em desiquilíbrio psíquico.
Não é por acaso que aqueles que integram uma Associação Espírita aí estão. Não é por acaso que a sua condição evolutiva passa por integrar esse grupo social. Ignorar essa realidade, que exige que cada um construa as condições necessárias para que o seu processo reencarnatório ocorra de acordo com o respetivo planeamento, é desperdiçar uma excelente oportunidade para resolver problemas do passado.
Impõe-se exigência e responsabilidade moral a cada um de nós.
Transcreve-se, para nossa reflexão, um pequeno excerto retirado de um pequeno livrinho, com o título “Ainda… acontece entre os espíritas”, da autoria de Agnaldo Paviani: “O que é preciso ficar claro é que o Espiritismo não é uma doutrina de aparência, que nada significam os títulos ou os rótulos que possuímos, se não formos espíritas verdadeiramente cristãos na teoria e na prática.”
João Batista
5/06/2011