«Levantei-me bem cedo e pus-me a caminho. Estava tenso e preocupado. Chegando à sala de Matheus, o amigo percebeu de imediato meu estado de espírito e sugeriu: – Quer deixar para outra ocasião?
«- Absolutamente! – redargui. – Nem pensar! Estou ansioso demais para suportar por mais tempo essa tortura.
«- Não dramatize, César Augusto. Sua situação é imensamente melhor e mais confortável do que a de muita gente, com a graça de Deus. – disse-me ele, completando: – Além disso, não conseguirá atingir seu objetivo de recuar no tempo se não estiver em condições de perfeito equilíbrio.
«- Compreendo. Desculpe-me, Matheus. Por favor, não me negue essa oportunidade. Tentarei me controlar – supliquei.
«- Muito bem. Então, vamos.
«Conduziu-me para um outro prédio, distante algumas centenas de metros […] Entramos. O orientador conversou com um dos servidores desse departamento, e, alguns minutos depois, fomos introduzidos numa pequena sala de projeções. Na frente, uma grande tela translúcida, algo leitosa, ocupava toda a parede fronteiriça. Algumas poltronas confortáveis, postadas simetricamente, destinavam-se à assistência. Sentamo-nos. Antes de começar a projeção, Matheus convidou-me ao serviço da oração, o que fizemos com singeleza […] Matheus apertou um botão ao lado da poltrona, que eu não notara, e percebi que era uma ordem para começar a projeção. A tela iluminou-se e imagens surgiram como se tivessem vida própria.
«Já tive ocasião de descrever esse processo de cinematografia no mundo espiritual. É um fenómeno indescritível! As imagens movimentam-se em várias dimensões, e o espectador tem a oportunidade de vivenciar o que está assistindo, inclusive de perceber as impressões dos personagens […] A tela mostrava uma grande cidade antiga, com prédios de telhados planos, templos sumptuosos, monumentos. Nas ruas, calçadas com pedras, o trânsito era intenso; pessoas com a vestimenta própria dos escravos carregavam grandes cestos de verduras, peixes e outros géneros alimentícios […] Com emoção, compreendi que se tratava de Roma, a Cidade das Sete Colinas. Caminhando pelas ruas, passamos pelo mercado, onde o movimento era ainda mais intenso e os mercadores apregoavam suas mercadorias em altos brados, oferecendo-as aos transeuntes. Entrando numa rua menos movimentada, começamos a subir uma colina. Um pouco além, à nossa frente surgiu uma grande mansão, em mármore branco, imensa e muito luxuosa. Adentramos seu interior, onde escravos se entretinham com as ocupações domésticas. «No triclínio, alguns personagens conversavam, recostados nos leitos. Falavam sobre os jogos, evento muito concorrido, que teriam início dentro de alguns dias. O dono da casa, um jovem centurião forte e arrogante, dizia: – Vou acabar com ele. Não há melhor momento do que na corrida de bigas. Estou informado de que Múncio também irá participar. Desta vez ele não me escapará. Aurélia Regina será minha de qualquer maneira.
«Os dois amigos que ali estavam o incentivavam, enquanto levavam as taças à boca, sorvendo grandes goles de vinho. Um deles era Horácio, cliente da casa, ali residindo há algum tempo e dependente da generosidade do anfitrião, visto ser pobre e não ter meios de sustentar seu dispendioso estilo de vida, O outro, Isidoro, era rapaz de família patrícia, abastado, mas igualmente amante dos prazeres, levando existência desregrada e dissoluta, sem qualquer compromisso com a verdade e a justiça. – Isso mesmo, Gúbio. Acaba com ele. Esse miserável não merece viver. Além disso, terás um prémio: a doce e bela Aurélia Regina. Nada mal, heim?…
«Fiquei muito emocionado. Observando melhor, reconheci-me naquele centurião a quem chamavam de Gúbio. A comoção foi tanta que a tela se apagou. Matheus aguardou pacientemente que eu readquirisse o controlo das emoções»
in “DE VOLTA AO PASSADO”, Psicografia de Célia X. Camargo – CÉSAR AUGUSTO MELERO