Há, porém, um ponto ainda mais importante, sem o qual tal ensino só teria produzido alguns frutos, ou nenhum. Sabemos que os Espíritos estão longe de possuir a soberana ciência e que se podem enganar; que, muitas vezes, emitem as próprias idéias, justas ou falsas; que os Espíritos superiores querem que o nosso julgamento se aperfeiçoe em discernir o verdadeiro do falso, o que é racional daquilo que é ilógico. Eis por que jamais aceitamos, seja o que for, de olhos fechados. Logo, não poderia haver ensino proveitoso sem discussão. Mas, como discutir comunicações com médiuns que não admitem a menor controvérsia, que se ofendem com uma observação crítica, com um simples comentário, e ficam contrariados quando não são aplaudidos pelas coisas que recebem, mesmo aquelas eivadas das mais grosseiras heresias científicas ?
Essa pretensão não teria cabimento se aquilo que escrevem fosse produto de sua inteligência; é ridícula, desde que não passam de instrumentos passivos, pois se assemelham a um ator que se sentiria melindrado caso achássemos maus os versos que deve recitar. Não sendo seu próprio Espírito passível de magoar-se com uma crítica que não o atinge, é, por conseguinte, o Espírito comunicante que se sente ofendido e transmite ao médium a sua impressão. Por isto mesmo o Espírito trai a sua influência, porque quer impor suas idéias pela fé cega, e não pelo raciocínio; ou, o que vem a dar o mesmo, porque só ele quer raciocinar. Disso resulta que o médium, que se acha em tais disposições, está sob o império de um Espírito que merece pouca confiança, desde que exibe mais orgulho que saber. Sabemos, também, que os Espíritos dessa categoria geralmente afastam os médiuns dos centros onde não são aceitos sem reservas.
Essa imperfeição, em médiuns assim atingidos, é um enorme obstáculo ao estudo. Senão buscássemos senão o efeito, isto não teria importância para nós; mas como buscamos a instrução, não podemos nos eximir de discutir, mesmo com o risco de desagradar aos médiuns. Como sabeis, outrora alguns se retiravam por este motivo, embora não confessado, e porque não conseguiram impor-se perante a Sociedade como médiuns exclusivos e como intérpretes infalíveis das potências celestes. Aos seus olhos, os obsedados são aqueles que não se inclinam diante das suas comunicaões. Alguns levam a sua susceptibilidade a ponto de se escandalizarem com a prioridade dada à leitura das comunicações recebidas por outros médiuns. Quando é que uma comunicação é preferida à sua ? Compreende-se o mal-estar imposto por tal situação. Felizmente, no interesse da ciência espírita, nem todos são assim e me apresso em aproveitar a ocasião para , em nome da Soiedade, agradecer aos que hoje nos prestam o seu concurso com tanto zelo e devotamento, sem calcular o esforço nem tempo e que, não tomando partido por suas comunicações, são os primeiros a não fugirem da controvérsia que podem provocar.
Allan Kardec
Revista Espírita – Junho de 1862 – Ano V – n.º 6