Mir\u00e9ia Carvalho<\/strong><\/p>\n Cada um de n\u00f3s <\/strong>\u00e9 respons\u00e1vel pela cria\u00e7\u00e3o do seu pr\u00f3prio mundo mental. Recebendo os est\u00edmulos que a vida nos oferece, Constru\u00edmos por conta pr\u00f3pria as interpreta\u00e7\u00f5es e os ju\u00edzos de valor para as pessoas, os objetos e as situa\u00e7\u00f5es que nos afetam. Dessa forma, os acontecimentos da vida se arrastam \u00e1rduos e penosos para alguns, enquanto para outros, o colorido dos dias est\u00e1 sempre cheio de oportunidades novas.<\/p>\n O equil\u00edbrio da mente<\/strong>, no entanto, exige vigil\u00e2ncia para n\u00e3o cairmos nas armadilhas que os pensamentos podem nos fixar. Ningu\u00e9m est\u00e1 livre de ver seus desejos contrariados, seus objetivos n\u00e3o concretizados, suas ideias deturpadas; de sermos mal-interpretados em nossos m\u00ednimos gestos. Sempre achamos que o outro precipita algo em n\u00f3s, que \u00e9 o respons\u00e1vel pelas nossas dores. Todos esses acontecimentos podem criar m\u00e1goas e contrariedades que estacionam ressentimentos duradouros dentro de n\u00f3s. \u00c9 assim que encontramos exemplos in\u00fameros de \u201cideias fixas\u201d que nos aprisionam num processo de auto-obsess\u00e3o.<\/p>\n \u00c9 o adolescente <\/strong>que se prende em conquistas mundanas e, quando n\u00e3o tem o sucesso esperado, se revolta e se atormenta sem parar. A esposa que se ret\u00e9m em pequenas express\u00f5es do marido, tentando achar pistas em que o ci\u00fame faz ver infidelidade. O amigo, que num pequeno descuido nas gentilezas do outro, v\u00ea sinais de rejei\u00e7\u00e3o e em seus pensamentos h\u00e1 sempre uma imagem de desconfian\u00e7a e controle perante o outro, achando que se afastando do amigo suas energias ir\u00e3o melhorar \u2013 a quest\u00e3o est\u00e1 dentro.<\/p>\n A palavra <\/strong>que uma pessoa pronunciou e que parece revelar inveja e controle. O amigo que na hora do desespero deseja ser salvo de qualquer maneira e n\u00e3o aceita a atitude do outro. A trai\u00e7\u00e3o confirmada, que recusa esquecimento e n\u00e3o pratica o perd\u00e3o. O remorso da palavra mal colocada que uma filha n\u00e3o soube interpretar; as comunica\u00e7\u00f5es verbalizadas com emo\u00e7\u00f5es destrutivas. O dinheiro emprestado que o parente levou com garantias que pareciam seguras. Marido e mulher, quando se separam, n\u00e3o imaginam que pensamentos repetitivos poder\u00e3o atorment\u00e1-los por anos. A \u201cideia fixa\u201d \u00e9 um turbilh\u00e3o de imagens vividas, palavras j\u00e1 pronunciadas e ofensas repetidas que teimam em ir e voltar para dentro de n\u00f3s.<\/p>\n Na verdade, <\/strong>ningu\u00e9m vive sem esse di\u00e1logo interior. Nossas decis\u00f5es racionais s\u00e3o sempre precedidas dessa conversa interna, alimentada pelas nossas cren\u00e7as e h\u00e1bitos. O comportamento humano tamb\u00e9m resulta da disposi\u00e7\u00e3o interna que, por for\u00e7a da vontade pr\u00f3pria, nos faz tomar determinada atitude, muitas vezes sem pensar. E as ideias fixas deterioram o di\u00e1logo interior e comprometem as iniciativas que alimentam a disposi\u00e7\u00e3o de viver. Andr\u00e9 Luiz usa a express\u00e3o \u201cmonoideia\u201d para se referir a uma situa\u00e7\u00e3o grav\u00edssima de ideia fixa. O esp\u00edrito fica aprisionado a um \u00fanico pensamento. Um desejo de vingan\u00e7a, uma frustra\u00e7\u00e3o insuport\u00e1vel, um sentimento de culpa ou um vazio monstruoso que for\u00e7a o perisp\u00edrito a retrair-se, descorporificando suas caracter\u00edsticas humanas, para se transformar numa esp\u00e9cie de esporo ovoide que se assemelha a formas primitivas de vida.<\/p>\n Aprendemos, tamb\u00e9m, no livro Mecanismos da Mediunidade, de Andr\u00e9 Luiz,<\/strong> que nos fen\u00f4menos de \u201cideoplastia\u201d a energia do pensamento constr\u00f3i em torno de n\u00f3s o cen\u00e1rio que reflete o teor dos nossos desejos. Insistir com persist\u00eancia numa ideia fixa de \u00f3dio ou vingan\u00e7a; de preocupa\u00e7\u00e3o excessiva com a seguran\u00e7a econ\u00f4mica ou com o comportamento dos filhos; com os t\u00edtulos ou as posses dos amigos; com a partilha da heran\u00e7a com parentes dif\u00edceis; com os v\u00edcios que alimentam os prazeres significa construir em nossa pr\u00f3pria \u201cpsicosfera\u201d o ambiente correspondente aos nossos desejos.<\/p>\n Passamos pela vida hipnotizados e\/ou obsidiados, <\/strong>felizes ou infelizes, mergulhados no circuito mental que n\u00f3s mesmos constru\u00edmos. Allan Kardec, em A G\u00eanese, ensina que o perisp\u00edrito fica \u201cimpregnado\u201d do pensamento que transmite. \u00c9 por isso que a apar\u00eancia de cada um de n\u00f3s revela o conte\u00fado das ideias que alimentam nossos desejos e puls\u00f5es. A alegria aumenta o brilho dos olhos e a raiva interna envelhece precocemente. O des\u00e2nimo nos arqueia os ombros, e fazer o bem eterniza a juventude. Na psicopatologia, a ideia fixa \u00e9 um dos maiores tormentos que o sofrimento humano pode conhecer. Ela nos d\u00e1 a sensa\u00e7\u00e3o de que v\u00e3o perdurar sem al\u00edvio, pela eternidade, as dores da vida.<\/p>\n Em Os Mensageiros, de Andr\u00e9 Luiz, h\u00e1 um \u201cpronto-socorro\u201d <\/strong>de almas endividadas, em que esp\u00edritos est\u00e3o sofrendo por s\u00e9culos, num processo \u201canestesiante\u201d em que as ideias fixas se congelaram no tempo. O esquizofr\u00eanico internado na cl\u00ednica de psiquiatria convive com o mart\u00edrio perturbador de ideias distorcidas. Tudo se refere a ele – nas ideias de refer\u00eancia; tudo est\u00e1 contra ele – nas ideias persecut\u00f3rias, e tudo est\u00e1 ao seu alcance – nas ideias delirantes. No entanto, a consci\u00eancia do seu dist\u00farbio o poupa do ju\u00edzo e, talvez, ele nem saiba da extens\u00e3o do seu destino. N\u00e3o se pode dizer o mesmo de quem cometeu um crime ou o suic\u00eddio.<\/p>\n Em Mem\u00f3rias de um Suicida, Camilo Castelo Branco <\/strong>revela que nada deste mundo apaga a ideia da arma que disparou no suic\u00eddio, da locomotiva que esmigalhou os ossos ou do vazio da queda no salto para a morte. Nenhuma m\u00e3e esquecer\u00e1, tamb\u00e9m, o dia em que abandonou o filho. O criminoso estar\u00e1 sempre preso ao cen\u00e1rio da culpa. O infiel sentir\u00e1 a necessidade de resgatar a confian\u00e7a perdida. O falsificador n\u00e3o fugir\u00e1 da verdade que ele mesmo vai revelar, e o ladr\u00e3o ter\u00e1 que devolver cada centavo do que se apropriou. Nem o amigo que n\u00e3o foi fiel diante da amizade oferecida pelo cora\u00e7\u00e3o. At\u00e9 que o pensamento de cada um gere novos rumos e as ideias possam fluir, nenhuma consci\u00eancia viver\u00e1 em paz.<\/p>\n A id\u00e9ia fixa reflete nossa pr\u00f3pria insanidade. <\/strong>A Miseric\u00f3rdia Divina, por\u00e9m, nos concedeu a b\u00ean\u00e7\u00e3o da intelig\u00eancia e da raz\u00e3o, que nos permite buscar novas ideias, reciclando os nossos sentimentos e atitudes. A religiosidade nos ajudar\u00e1 a vencer as intemp\u00e9ries atrav\u00e9s de muita ora\u00e7\u00e3o, compreens\u00e3o e entendimento sobre as nossas vicissitudes perante nossa encarna\u00e7\u00e3o, sendo uma ferramenta da evolu\u00e7\u00e3o. Vale salientar que o outro chega \u00e0s nossas vidas para o reencontro, concilia\u00e7\u00e3o e compaix\u00e3o.<\/p>\n A vida \u00e9 uma experi\u00eancia <\/strong>que n\u00e3o poupar\u00e1 ningu\u00e9m, encarnados nem desencarnados; por isso, devemos n\u00e3o cultivar o remorso, n\u00e3o conservar a culpa ou alimentar a desesperan\u00e7a. “A vida \u00e9 muito curta para ser pequena”; esforcemo-nos por elevar os nossos pensamentos, buscando a uni\u00e3o, a fraternidade e o amor que devem existir nas rela\u00e7\u00f5es, sem julgamento nem rancores. A Lei de Deus est\u00e1 em nossas consci\u00eancias. \u201cConhece-te ou devora-te\u201d.<\/p>\n Mir\u00e9ia Carvalho – <\/strong>psic\u00f3loga e professora universit\u00e1ria. Presidente da Sociedade de Educa\u00e7\u00e3o Esp\u00edrita da Bahia – SEEB.<\/p>\n