<\/a><\/p>\nNosso instrutor abriu uma porta e vimos um louco, que parecia fundamente irritado. Fixou em n\u00f3s o olhar inexpressivo e gritou estentoricamente. Aniceto, por\u00e9m, adiantou-se e cumprimentou-o, atencioso:<\/p>\n
\u2013 Como vai, Paulo?<\/p>\n
As palavras, ao que senti, emitiram certo fluxo magn\u00e9tico e o enfermo revelou profunda modifica\u00e7\u00e3o. Aquietou-se de s\u00fabito. Sentou-se mais calmo, embora tr\u00eamulo e espantadi\u00e7o.<\/p>\n
\u2013 Tem sentido melhoras, Paulo? \u2013 perguntou nosso orientador, bondosamente, tocando-o no ombro.<\/p>\n
Ao contacto pessoal de Aniceto, o doente mostrou algum racioc\u00ednio\u00a0e respondeu:<\/p>\n
\u2013 Vou melhorando, gra\u00e7as…<\/p>\n
A vista da express\u00e3o reticenciosa, o instrutor falou em tom firme, como se desejasse auxiliar-lhe a vontade enfraquecida:<\/p>\n
\u2013 Termine!<\/p>\n
O doente fez enorme esfor\u00e7o e concluiu:<\/p>\n
\u2013 Gra\u00e7as a Deus!<\/p>\n
Anotando-lhe o sofrimento e a indecis\u00e3o, lembrei dos enfermos das C\u00e2maras, aos quais prestava Narcisa ampla colabora\u00e7\u00e3o afetuosa. Percebendo-me as \u00edntimas considera\u00e7\u00f5es, disse o mentor esclarecido:<\/p>\n
\u2013 V\u00eaem a diferen\u00e7a entre os que dormem, os que est\u00e3o loucos e os que sofrem? Em \u201cNosso Lar\u201d n\u00e3o temos dos primeiros, e os que se encontram desequilibrados, nos servi\u00e7os da Regenera\u00e7\u00e3o, sentem, na maioria, ang\u00fastias cru\u00e9is. \u00c9 necess\u00e1rio reconhe\u00e7amos que os que gemem e sofrem, em qualquer parte, est\u00e3o melhorando.<\/p>\n
Toda l\u00e1grima sincera \u00e9 bendito sintoma de renova\u00e7\u00e3o. Os escarnecedores, os ironistas e os perturbados que n\u00e3o registram a dor s\u00e3o mais dignos de piedade, por permanecerem embotados em estranha rigidez de entendimento.<\/p>\n
E, designando o enfermo sob nossos olhos, afirmou:<\/p>\n
\u2013 Paulo \u00e9 um doente a caminho de melhora positiva. Ainda n\u00e3o possui a consci\u00eancia exata da situa\u00e7\u00e3o, mas j\u00e1 chora, j\u00e1 padece com as recorda\u00e7\u00f5es do passado triste.<\/p>\n
Recebi o esclarecimento com aten\u00e7\u00e3o. Lembrei-me que, de fato, os doentes conduzidos pelos Samaritanos a \u201cNosso Lar\u201d, em servi\u00e7o di\u00e1rio, eram grandes sofredores. Os que n\u00e3o acusavam padecimentos atrozes, revelavam estranho pavor das sombras. A \u00fanica entidade que ali observara, com absoluta inconsci\u00eancia da pr\u00f3pria mis\u00e9ria, fora a de pobre vampiro que n\u00e3o encontrara guarida nas C\u00e2maras de Retifica\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Nosso instrutor, sem qualquer preocupa\u00e7\u00e3o de transformar o doente em cobaia, recomendou, afetuoso:<\/p>\n
\u2013 Concentrem no Paulo a capacidade de vis\u00e3o!<\/p>\n
Estimulado pela experi\u00eancia anterior, fixei nele todo o meu potencial de observa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Aos poucos, caracterizou-se a meus olhos a sua tela mental, parecendo formada em compacta sombra noturna. Com surpresa, divisei formas diversas que se movimentavam. V\u00e1rios vultos de mulher ali surgiam, despertando-me enorme admira\u00e7\u00e3o. Entre eles, reparei o de Ism\u00e1lia como que doente, enfraquecida, ansiosa.<\/p>\n
Alguns homens passavam, igualmente, mostrando desespera\u00e7\u00e3o, e notei, nessas imagens, o pr\u00f3prio Alfredo a evidenciar cansa\u00e7o e extrema velhice prematura. Vozes misteriosas se faziam ouvir. Sobre Paulo choviam maldi\u00e7\u00f5es e blasf\u00eamias. As mulheres pareciam acus\u00e1-lo, clamorosamente; os homens davam id\u00e9ia de perseguidores ferozes, ocultos no mundo interior daquele enfermo estranho. Observando, por\u00e9m, que os vultos de Ism\u00e1lia e Alfredo se movimentavam naquele painel escuro, n\u00e3o pude sofrear a\u00a0curiosidade e interrompi o minucioso exame, voltando a conversar com o nosso orientador, perguntando:<\/p>\n
\u2013 Como explicar o fen\u00f4meno? Estou assombrado!<\/p>\n
Antes, por\u00e9m, que pudesse expressar maiormente o espanto que me dominara, Aniceto ajuntou:<\/p>\n
\u2013 J\u00e1 sei. Admira-se da presen\u00e7a de Ism\u00e1lia e do seu marido nas reminisc\u00eancias do enfermo.<\/p>\n
E, ante a minha perplexidade, continuou:<\/p>\n
\u2013 Lembram-se da hist\u00f3ria de Alfredo? Temos diante de n\u00f3s o falso amigo que lhe arruinou o lar. Paulo, contudo, n\u00e3o somente cometeu a ingratid\u00e3o, como envenenou o esp\u00edrito doutras senhoras, traiu outros amigos e destruiu a alegria e a paz doutros santu\u00e1rios dom\u00e9sticos. Observando Ism\u00e1lia aflita e Alfredo desesperado, nas recorda\u00e7\u00f5es dele, vemos as imagens criadas pelo caluniador, para seus pr\u00f3prios olhos. Nossos amigos deste Posto evolu\u00edram, transpuseram a fronteira da m\u00e1goa, escaparam aos monstros do \u00f3dio, vestem-se hoje de luz; no entanto, Paulo os v\u00ea como imagina, para escarmento de suas culpas. O criminoso nunca consegue fugir da verdadeira justi\u00e7a universal, porque carrega o crime cometido, em qualquer parte. Tanto nos c\u00edrculos carnais, como aqui, a paisagem real do Esp\u00edrito \u00e9 a do campo interior. Viveremos, de fato, com as cria\u00e7\u00f5es mais intimas de nossa alma.<\/p>\n
Reparando-me a dificuldade para compreender de pronto, Aniceto prosseguiu, depois de pequeno intervalo:<\/p>\n
\u2013 Para melhor elucida\u00e7\u00e3o, recordemos a crucifica\u00e7\u00e3o do Mestre Divino. Sabemos que Jesus penetrou na gl\u00f3ria sublime logo ap\u00f3s a suprema dor do Calv\u00e1rio; entretanto, estamos ainda a v\u00ea-lo freq\u00fcentemente pendurado na cruz, martirizado pelos nossos\u00a0erros, flagelado pelos nossos a\u00e7oites, porque a vis\u00e3o interior a isso nos compele. A condena\u00e7\u00e3o do Mestre foi um crime coletivo e esse crime estar\u00e1 conosco at\u00e9 ao dia em que nos vestirmos na divina luz da reden\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
O esclarecimento n\u00e3o poderia ser mais l\u00facido. Sentia-me diante de nobre revela\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
\u2013 O dever possui as b\u00ean\u00e7\u00e3os da confian\u00e7a, mas a d\u00edvida tem os fantasmas da cobran\u00e7a \u2013 tornou o generoso mentor, com grave acento.<\/p>\n
Readquirindo a serenidade, interroguei:<\/p>\n
\u2013 Mas Paulo veio ter casualmente a este Posto?<\/p>\n
\u2013 N\u00e3o \u2013 respondeu Aniceto, atencioso \u2013; foi trazido pelo pr\u00f3prio Alfredo, que se sentiu necessitado de disciplinar o cora\u00e7\u00e3o. Nosso amigo, que hoje dirige esta casa de amor, desprendeu-se do mundo, sob intensa vibra\u00e7\u00e3o de \u00f3dio e desespera\u00e7\u00e3o. Sofreu muit\u00edssimo nos primeiros tempos, embora nunca fosse abandonado pela dedica\u00e7\u00e3o da abnegada companheira. Alfredo, todavia, n\u00e3o p\u00f4de ver Ism\u00e1lia enquanto n\u00e3o se desvencilhou das baixas manifesta\u00e7\u00f5es do rancor. Socorrido em \u201cCampo da Paz\u201d, compreendeu as pr\u00f3prias necessidades. T\u00e3o logo adquiriu algum m\u00e9rito, intercedeu\u00a0pelo amigo infiel, buscou-o em recanto abismal, e t\u00e3o nobremente se dedicou ao aperfei\u00e7oamento de si mesmo, que conquistou a posi\u00e7\u00e3o de administrador de um Posto de Socorro. Trouxe o tutelado em sua companhia e trata-o como irm\u00e3o, atualmente. N\u00e3o julguem que o marido de Ism\u00e1lia conseguiu essa vit\u00f3ria espiritual t\u00e3o somente pelo fato de desej\u00e1-la. Ele desejou-a, procurou-a, alimentou-a e, agora, permanece na realiza\u00e7\u00e3o. H\u00e1 muitos anos conversa com Paulo, diariamente. Nos primeiros tempos, aproximava-se do enfermo, como necessitado de reconcilia\u00e7\u00e3o; depois, como pessoa caridosa; mais tarde adquiriu entendimento, comparando situa\u00e7\u00f5es; em seguida, sentiu piedade; logo\u00a0ap\u00f3s, experimentou simpatia e, presentemente, conquistou a verdadeira fraternidade, o amor sublime de irm\u00e3o pelo ex-inimigo.<\/p>\n
Fazendo pequena pausa, voltou a dizer, espirituosamente:<\/p>\n
\u2013 Como v\u00eaem, o ensinamento de Jesus, quanto ao \u201cbatei e abrir-se-vos-\u00e1\u201d, \u00e9 muito extenso. No plano da carne, insistimos \u00e0 porta das coisas exteriores, procurando facilidades e vantagens; mas, aqui, temos de bater \u00e0 porta de n\u00f3s mesmos, para encontrar a virtude e a verdadeira ilumina\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Vicente, que at\u00e9 ent\u00e3o se conservara calado, indagou:<\/p>\n
\u2013 Paulo, todavia, permanecer\u00e1 aqui, indefinidamente?<\/p>\n
Nosso instrutor fez um gesto significativo e concluiu:<\/p>\n
\u2013 Voltar\u00e1 breve \u00e0 Terra. Ism\u00e1lia tem feito a seu favor in\u00fameras intercess\u00f5es e n\u00e3o deseja que ele, ao retomar a raz\u00e3o plena, se sinta humilhado, com o beneficio das pr\u00f3prias v\u00edtimas. Uma das irm\u00e3s, por ele caluniada no mundo, j\u00e1 voltou ao c\u00edrculo carnal, e a abnegada esposa de Alfredo pediu-lhe que recebesse Paulo como filho, t\u00e3o logo seja oportuno.<\/p>\n
Autor: Andr\u00e9 Luiz<\/strong><\/em><\/p>\nFonte: Os Mensageiros<\/strong><\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"Enquanto o administrador se entregava a conversa\u00e7\u00f5es educativas com os numerosos subordinados, Aniceto chamou-nos a pequena constru\u00e7\u00e3o isolada e falou: \u2013 Vejamos outro ensinamento. Avan\u00e7amos na dire\u00e7\u00e3o de algumas c\u00e2maras separadas. Nosso instrutor abriu uma porta e vimos um louco, que parecia fundamente irritado. Fixou em n\u00f3s o olhar inexpressivo e gritou estentoricamente. Aniceto, por\u00e9m,…<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[1],"tags":[101,184,185,186],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3353"}],"collection":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=3353"}],"version-history":[{"count":2,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3353\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":3356,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3353\/revisions\/3356"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=3353"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=3353"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=3353"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}