<\/a><\/p>\nUma das cenas de que me recordo dizia respeito \u00e0 sua forma de avaliar os estudantes. Ele assim se exprimia, no in\u00edcio do semestre: \u201cN\u00e3o costumo esperar respostas prontas nas avalia\u00e7\u00f5es, deixo a cada um a liberdade de registrar o que bem entender. Se desejarem registrar algo de cunho pessoal, que o fa\u00e7am. Se desejarem me criticar, estejam tamb\u00e9m \u00e0 vontade. Jamais reprovei algu\u00e9m pelo que tenha registrado nas avalia\u00e7\u00f5es\u201d. E contou que, certa vez, um estudante fez duras cr\u00edticas \u00e0 sua forma de leccionar. Resultado: conferiu-lhe nota 10. Depois, o estudante, profundamente constrangido e arrependido, procurou-o para se desculpar. Ele n\u00e3o esperava por desculpas, pois aquilo que estava registrado exprimia o pensamento do estudante. Disse-lhe que considerou que ele merecia tal nota pela sinceridade com que se expressou e pela coragem em registrar tudo aquilo, sem temer ser reprovado na disciplina. E completou: \u201cTemos que respeitar a opini\u00e3o dos outros, mesmo que divirja das nossas\u201d. Conclus\u00e3o: aquele estudante tornou-se um grande admirador do nosso professor e, provavelmente, um admirador da sinceridade.<\/p>\n
Confesso que eu prestava mais aten\u00e7\u00e3o nas frases que traduziam sua conduta \u2013na minha interpreta\u00e7\u00e3o, crist\u00e3 \u2013 do que no conte\u00fado das aulas que ele tinha a apresentar. A disciplina pela qual respondia creio que era Metodologia de Ensino, n\u00e3o tenho a certeza (afinal, depois de tantos anos\u2026). Lembro-me, entretanto, de que sua forma de ensinar nos deixava livres para pensar e expressar nossos pensamentos. \u00c0 sua maneira, ensinava o respeito que devemos ter ao pensamento e opini\u00f5es dos demais, mesmo que contr\u00e1rios aos nossos. Ele n\u00e3o s\u00f3 falava, agia assim, e isso \u00e9 o que verdadeiramente deixa li\u00e7\u00f5es.<\/p>\n
Uma frase dita por ele, em sala de aula, sempre trago na mem\u00f3ria e no exerc\u00edcio crist\u00e3o, dentro e fora da Casa Esp\u00edrita (quando mais devemos nos expressar como se estiv\u00e9ssemos nas tarefas espiritistas). N\u00e3o me recordo do contexto, mas isso n\u00e3o tem import\u00e2ncia n\u00e3o era o que deveria ficar, e sim a conclus\u00e3o que se traduziria em li\u00e7\u00e3o a me acompanhar nas ocorr\u00eancias cotidianas: \u201cA coisa mais importante do mundo \u00e9 voc\u00ea escutar algu\u00e9m!\u201d. Quando ouvi essa frase, disso lembro-me bem, fiquei a reflectir (creio mesmo que sai da sala, pois viajei pelo pensamento): se e quantas vezes eu havia posto em pr\u00e1tica aquela frase, que me chegava com um grande ensinamento de vida,<\/em> nas repercuss\u00f5es ao colocar \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o do outro nossa disposi\u00e7\u00e3o para ouvir. Fiquei dias refeletindo sobre t\u00e3o profundo ensinamento. E, quase 20 anos depois, percebo que continuo a meditar sobre tal li\u00e7\u00e3o. Mais que isso, hoje vigio-me, para avaliar-me sobre o cumprimento de t\u00e3o luminoso ensinamento.<\/p>\nAgora, quando sei que dei um passo importante na direc\u00e7\u00e3o de permitir a entrada do ensinamento esp\u00edrita em mim (digo que passamos por dois momentos, ap\u00f3s o contato com a Doutrina Esp\u00edrita: o primeiro, quando \u201cchegamos \u00e0 doutrina\u201d; o segundo, quando a Doutrina penetra em n\u00f3s), trago sempre a imagem e mensagem do professor que se dizia ateu, mas que apresentava atitudes verdadeiramente crist\u00e3s. Naquele momento, sem o saber, ele me apresentava o grande trabalho desenvolvido no atendimento fraterno \u00e9 escutar algu\u00e9m. Atender fraternalmente, no nosso entender, \u00e9 atitude que se deve traduzir em todas as actividades de nossa vida (de Esp\u00edrito imortal), no contato com os encarnados e os desencarnados.<\/p>\n
Jesus, muitas das vezes, antes de falar, parava para escutar. Fazia mais, bem o sabemos: auscultava. E se n\u00e3o nos dispusermos a ouvir e a ir al\u00e9m, mergulhar profundamente nas dores \u00e9que se nos apresentam, como poderemos curar a n\u00f3s mesmos? Pois\u00b4e facultando ao outro a liberdade de expressar seus conflitos aconselhando-o (na linha do que muitas vezes n\u00f3s mesmo ainda n\u00e3o conseguimos empreender), que abriremos espa\u00e7os internos para que os mecanismos do Amparo Celeste, que s\u00e3o complexos e profundos, fa\u00e7am tamb\u00e9m em n\u00f3s, no tempo que o Alt\u00edssimo entender esteja ao nosso alcance, aquilo que somente o tempo, a maturidade e a vontade mobilizada para o bem s\u00e3o capazes de nos proporcionar: a verdadeira cura.<\/p>\n
E se ainda n\u00e3o nos dispusermos a escutar, lembremos qu\u00e3o importantes foram aqueles que pararam para nos ouvir nos momentos de grande conflito interior. Escutando algu\u00e9m, poderemos dissuadi-lo da id\u00e9ia de suic\u00eddio, poderemos devolver-lhes a esperan\u00e7a, proporcionar-lhe um pouco de paz (mesmo quando ainda n\u00e3o a tenhamos conquistado para n\u00f3s mesmos), poderemos transformar uma vida. Assim Jesus fazia quando parava para escutar (e auscultar) algu\u00e9m.<\/p>\n
Meu professor? N\u00e3o sei se est\u00e1 encarnado. Mas onde quer que esteja (aqui ou no plano espiritual), desejo que saiba e sinta que pelo menos uma estudante tem se esfor\u00e7ado por cumprir uma das suas preciosas li\u00e7\u00f5es deixadas nas entrelinhas.<\/p>\n
A atitude de meu professor se chama caridade.<\/p>\n
Sandra Batista<\/p>\n
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Fonte: Reformador \u2013 janeiro 2012<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
No in\u00edcio dos idos anos 90, quando ainda cursava faculdade e nem conhecia o Espiritismo, um professor que autodenominava \u201cateu\u201d \u2013 profitente de cren\u00e7a nenhuma \u2013 tinha uma forma diferente de leccionar, que me deixou importantes li\u00e7\u00f5es de vida \u2013 e creio que tamb\u00e9m a outros colegas que procuraram escut\u00e1-lo atentamente, com \u201couvidos de ouvri\u201d.…<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[1],"tags":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3231"}],"collection":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=3231"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3231\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":3234,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3231\/revisions\/3234"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=3231"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=3231"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=3231"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}