<\/p>\n
O psiquiatra atende ao telefone.<\/p>\n
A paciente, jovem senhora sob tratamento, reclama:<\/p>\n
\u2013 Doutor, estou muito preocupada.<\/p>\n
\u2013 O que houve?<\/p>\n
\u2013 Venho notando que meu coc\u00f4 est\u00e1 leve, boiando, ao inv\u00e9s de depositar-se no fundo do vaso. \u00c9 grave?<\/p>\n
\u2013 \u00c9 normal. N\u00e3o se preocupe. Acontece, \u00e0s vezes.<\/p>\n
Momentos depois, nova liga\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
\u2013 Desculpe, doutor, pela insist\u00eancia\u2026 O senhor acha mesmo que n\u00e3o tem problema?<\/p>\n
\u2013 Com certeza! Fique tranq\u00fcila.<\/p>\n
Mais alguns minutos e\u2026<\/p>\n
\u2013 Doutor, estive pensando\u2026 O normal n\u00e3o seria um coc\u00f4 mais pesado?<\/p>\n
\u2013 Olhe, menina, vou lhe dizer o que realmente acontece. O problema \u00e9 da cabe\u00e7a. O coc\u00f4 leve vem de seu c\u00e9rebro!<\/p>\n
Podemos enfatizar nesse epis\u00f3dio a impaci\u00eancia do m\u00e9dico.<\/p>\n
N\u00e3o deveria estar presente num profissional de psiquiatria, treinado e muito bem pago para ouvir, ainda que, eventualmente, importunado, pela clientela. Psiquiatra sem paci\u00eancia deve reciclar-se, revendo os fundamentos de sua especialidade.<\/p>\n
Importante considerar a paciente. Ela \u00e9 o exemplo t\u00edpico das fantasias geradas pela neurose, esse problema que costuma envolver pessoas demasiadamente preocupadas consigo mesmas.<\/p>\n
A ansiedade \u00e9 sua principal caracter\u00edstica, levando-as a superestimar seus problemas e dificuldades, como quem usa \u00f3culos de grau mal ajustados. O neur\u00f3tico enxerga de forma \u201cdesfocada\u201d as situa\u00e7\u00f5es e as pessoas.<\/p>\n
Alguns exemplos:<\/p>\n
Riem para ele. Julga que riem dele.<\/p>\n
N\u00e3o o cumprimentam, por distra\u00e7\u00e3o. Imagina desconsidera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Recebe elogio sincero. Enxerga bajula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
N\u00e3o se comunica. Reclama que o ignoram.<\/p>\n
Com semelhante vis\u00e3o, tem muita facilidade para sentir-se discriminado, isolado, injusti\u00e7ado, perseguido, humilhado\u2026<\/p>\n
\u00c9 dado a teorias conspirat\u00f3rias, supondo que as pessoas tramam algo contra si. Resvala com facilidade para a hipocondria, preocupando-se at\u00e9 com a consist\u00eancia de seus dejetos.<\/p>\n
***<\/p>\n
H\u00e1 duas realidades:<\/p>\n
O que vemos.<\/p>\n
O que \u00e9.<\/p>\n
A estabilidade \u00edntima depende de nossa capacidade em aproximar uma da outra.<\/p>\n
Quando menino, eu era m\u00edope, sem saber.<\/p>\n
Na escola, sentava pr\u00f3ximo ao quadro negro; no cinema, nos primeiros lugares, em face de minha limita\u00e7\u00e3o. Como a miopia \u00e9 progressiva, vamos nos adaptando \u00e0 redu\u00e7\u00e3o da acuidade visual, sem perceber a pr\u00f3pria defici\u00eancia. A paisagem, para mim, j\u00e1 com tr\u00eas graus, era um borr\u00e3o, aparentemente natural.<\/p>\n
Quando, finalmente, consultei o oftalmologista e usei o primeiro par de \u00f3culos, foi um deslumbramento. Encantei-me com a luminosidade dos objetos, a vis\u00e3o dos p\u00e1ssaros ao longe, os contornos da paisagem\u2026 Enxergava, sem problemas o letreiro nos filmes, os registros na lousa\u2026<\/p>\n
Nossas neuroses situam-se como uma miopia da alma, impedindo-nos de enxergar as realidades existenciais, detendo-nos em perturbadoras fantasias, a partir de meros borr\u00f5es.<\/p>\n
A maneira como enxergamos o mundo \u00e9 decisiva em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 pr\u00f3pria sa\u00fade, f\u00edsica e ps\u00edquica.A vis\u00e3o desfocada, que caracteriza o comportamento neur\u00f3tico, \u00e9 extremamente desajustante.<\/p>\n
Por isso Jesus proclama, em O Serm\u00e3o da Montanha (Mateus, 6:22-23):<\/p>\n
S\u00e3o teus olhos a l\u00e2mpada do corpo.<\/p>\n
Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo ser\u00e1 luminoso.<\/p>\n
Se, por\u00e9m, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estar\u00e1 em trevas.<\/p>\n
Portanto, caso a luz que h\u00e1 em ti sejam trevas, que grandes trevas ser\u00e3o<\/p>\n
<\/p>\n
Richard Simonetti<\/strong><\/p>\n Livro Para Rir e Refletir<\/strong><\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" O psiquiatra atende ao telefone. A paciente, jovem senhora sob tratamento, reclama: \u2013 Doutor, estou muito preocupada. \u2013 O que houve? \u2013 Venho notando que meu coc\u00f4 est\u00e1 leve, boiando, ao inv\u00e9s de depositar-se no fundo do vaso. \u00c9 grave? \u2013 \u00c9 normal. N\u00e3o se preocupe. Acontece, \u00e0s vezes. Momentos depois, nova liga\u00e7\u00e3o. \u2013 Desculpe,…<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[1],"tags":[173,109],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3111"}],"collection":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=3111"}],"version-history":[{"count":5,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3111\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":3117,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3111\/revisions\/3117"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=3111"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=3111"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=3111"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}