<\/a><\/p>\n\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Outros h\u00e1 que admitem uma liberdade absoluta, em virtude da qual o homem age sem motivo. Isso, por\u00e9m, \u00e9 presumir efeito sem causa, \u00e9 isentar o homem da lei de causalidade. Seria uma liberdade contradit\u00f3ria de si mesma, podendo-se proceder num mesmo caso bem ou mal, mas sempre sem motivo. In\u00fateis seriam, ent\u00e3o, todos os institutos de finalidade beneficente, individual ou coletiva. De que serviriam as leis, a Religi\u00e3o, as penalidades e recompensas, se nada determinasse o homem? Por que esperar de outrem amizade e fidelidade, antes que \u00f3dio e perf\u00eddia? Promessas, juramentos, votos, tudo ilus\u00e3o! Tal liberdade nada tem de real, n\u00e3o passa de especulativa e absurda.<\/p>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Precisamos, ao contr\u00e1rio, reconhecer uma liberdade acorde com a natureza humana, liberdade que a legisla\u00e7\u00e3o pressup\u00f5e liberdade raciocinada.<\/p>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Tr\u00eas s\u00e3o as condi\u00e7\u00f5es fundamentais da leg\u00edtima liberdade: em primeiro lugar, \u00e9 preciso que a criatura possa escolher entre v\u00e1rios motivos. Seguindo o motivo mais forte, ou agindo s\u00f3 por prazer, j\u00e1 se n\u00e3o opera com liberdade. O prazer n\u00e3o \u00e9 mais que uma falsa apar\u00eancia de liberdade. A ovelha que mastiga a erva com prazer n\u00e3o est\u00e1 exercendo um ato livre.<\/p>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Obedecendo a um desejo mais forte, tamb\u00e9m o animal, quanto o homem, n\u00e3o pratica livremente, tampouco. A condi\u00e7\u00e3o prec\u00edpua da liberdade \u00e9 a intelig\u00eancia, ou a faculdade de conhecer e escolher os motivos. Quanto mais ativa a intelig\u00eancia, mais ampla a liberdade. Os idiotas natos, as crian\u00e7as at\u00e9 uma certa idade, t\u00eam, \u00e0s vezes, desejos muito en\u00e9rgicos, mas ningu\u00e9m os considera livres, visto n\u00e3o possu\u00edrem intelig\u00eancia bastante para distinguir o falso do verdadeiro. Os homens mais bem educados e os mais inteligentes s\u00e3o os de quem, mais que dos ignorantes, deploramos as faltas. \u00c0 medida que se elevam na s\u00e9rie das faculdades intelectivas, os animais v\u00e3o-se tornando mais livres e modificam mais individualmente os seus atos, de acordo com as circunst\u00e2ncias exteriores e com as li\u00e7\u00f5es de sua pr\u00e9via experi\u00eancia. Se empregamos a viol\u00eancia para impedir o c\u00e3o de perseguir a lebre, ele se lembrar\u00e1 das pancadas que o aguardam e, \u00e1rdego e tr\u00eamulo ao imp\u00e9rio dos pr\u00f3prios desejos, n\u00e3o deixar\u00e1 de ceder. O homem, superior a todos os seus irm\u00e3os da escala zool\u00f3gica, \u00e9, por sua mesma natureza, o ser que goza de liberdade no grau mais eminente. S\u00f3 ele procura encadear efeitos e causas, comparar melhor o presente e o passado, e da\u00ed tirar conclus\u00f5es para o futuro. Pesa as raz\u00f5es, det\u00e9m-se nas que lhe parecem prefer\u00edveis, conhece a tradi\u00e7\u00e3o. Seu racioc\u00ednio decide e perfaz a vontade esclarecida, muitas vezes contrariamente aos seus desejos.<\/p>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Uma \u00faltima condi\u00e7\u00e3o da liberdade \u00e9 a influ\u00eancia da voli\u00e7\u00e3o sobre os instrumentos que devam operar suas ordens pessoais. O homem n\u00e3o \u00e9 respons\u00e1vel por desejo ou por faculdades afetivas dele independentes. A responsabilidade individual come\u00e7a com a reflex\u00e3o e com a possibilidade de proceder voluntariamente. No estado de sa\u00fade os instrumentos operat\u00f3rios subordinam-se \u00e0 influ\u00eancia da vontade. A fome \u00e9 involunt\u00e1ria, mas, se em senti-la, eu me abstiver de comer, exer\u00e7o a influ\u00eancia da minha vontade sobre os instrumentos do movimento volunt\u00e1rio. A c\u00f3lera \u00e9 involunt\u00e1ria, mas eu n\u00e3o sou for\u00e7ado a maltratar quem me provoque, s\u00f3 porque a minha vontade influi em meus m\u00fasculos. Perdido o dom\u00ednio dessa influ\u00eancia, ent\u00e3o sim, o homem j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 livre. \u00c9 o que ami\u00fade sucede com os alienados, que experimentam desejos, reconhecem a sua inconveni\u00eancia, chegam a maldiz\u00ea-los, mas n\u00e3o t\u00eam a for\u00e7a de restringir os movimentos involunt\u00e1rios, chegando mesmo, algumas vezes, a pedir que lhos embarguem.<\/p>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 A liberdade moral \u00e9 a base mesma da sociedade e se ela n\u00e3o passa de ilus\u00e3o, todo o g\u00eanero humano, tanto as na\u00e7\u00f5es incipientes como as mais civilizadas, que cultivam a Ci\u00eancia e governam a Mat\u00e9ria, bem como os povos remotos, toda a Humanidade, \u2013 repetimo-lo \u2013 ter-se-ia deixado iludir pelo mais colossal dos erros que ainda existiu, depois de enveredar pela senda mais falsa e injusta que possamos imaginar. Mas… que dizemos: \u2013 injusta? Neste sistema, essa palavra nada significa e visto que o bom e o mau n\u00e3o existem; visto n\u00e3o haver ordem moral, claro \u00e9 que todas as palavras concernentes \u00e0 descri\u00e7\u00e3o dessa ordem, todos os pensamentos e julgamentos carecem de sentido. E, contudo, a menos que abstraiamos a pr\u00f3pria consci\u00eancia, n\u00e3o podemos anuir a semelhantes conclus\u00f5es.<\/p>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Quaisquer que sejam as conclus\u00f5es te\u00f3ricas a que cheguem os l\u00f3gicos na quest\u00e3o do livre arb\u00edtrio \u2013 dizia Samuel Smiles \u2013, todos sentimos que somos praticamente livres de escolher entre o bem e o mal. N\u00e3o somos o seixo que, lan\u00e7ado na torrente, apenas pode seguir o curso das \u00e1guas. Ao contr\u00e1rio, sentimos em n\u00f3s a for\u00e7a do nadador, que pode escolher a dire\u00e7\u00e3o convinh\u00e1vel, lutar contra a corrente, ir mais ou menos aonde lhe praza. Nenhum constrangimento absoluto nos empece a vontade. Sentimos e sabemos no concernente aos nossos atos, que n\u00e3o somos encandeados por qualquer esp\u00e9cie de magia. Todas as nossas aspira\u00e7\u00f5es para o bem e para o belo ficariam paralisadas se pens\u00e1ssemos de modo diverso. Todos os neg\u00f3cios, nossa conduta na vida, regime dom\u00e9stico, contratos sociais, institui\u00e7\u00f5es p\u00fablicas, tudo, enfim se baseia na no\u00e7\u00e3o pr\u00e1tica do livre-arb\u00edtrio. E sem ele, onde estaria a responsabilidade? De que serviria ensinar, aconselhar, predicar, reprimir, punir? Para que leis, se n\u00e3o houvesse uma cren\u00e7a universal como o pr\u00f3prio fato universal, de que dos homens e de sua determina\u00e7\u00e3o depende conformar-se ou n\u00e3o? O homem que melhor evidencia seu valor moral \u00e9 o que se observa a si mesmo, dirige as suas paix\u00f5es, vive conforme a regra que se imp\u00f4s, estuda suas aptid\u00f5es e suas falhas.<\/p>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Eis, verdadeiramente, o homem: sua grandeza est\u00e1 na sua liberdade. N\u00e3o fora livre o homem, n\u00e3o se lhe permitiria ter fome e sede, nem comer nem beber; nem senhorear, em coisa alguma, as tend\u00eancias do seu corpo. A ordem social n\u00e3o se teria constitu\u00eddo.<\/p>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Mas n\u00f3s n\u00e3o temos necessidade de prova alguma exterior para afirmar a nossa liberdade. Ningu\u00e9m melhor o sabe do que a nossa pr\u00f3pria consci\u00eancia. Ela \u00e9, ali\u00e1s, a \u00fanica coisa que possu\u00edmos completamente nossa, e a boa ou m\u00e1 dire\u00e7\u00e3o que lhe damos, em definitivo, s\u00f3 depende de n\u00f3s. Nossos h\u00e1bitos e pendores n\u00e3o s\u00e3o nossos amos, mas servos. Mesmo quando com eles transigimos, a consci\u00eancia adverte-nos de que poder\u00edamos resistir e que, para venc\u00ea-los, n\u00e3o carecer\u00edamos de fortaleza superior \u00e0s nossas possibilidades, se fiz\u00e9ssemos finca-p\u00e9. \u00c9 pelo emprego livre da raz\u00e3o que nos fazemos o que somos. Se ela apenas propende para o sensualismo \u00e9 que a vontade, forte e demon\u00edaca, subjuga e escraviza a intelig\u00eancia. Bem dirigida, por\u00e9m, essa mesma vontade compara-se a uma rainha, tendo por ministros as faculdades intelectuais e presidindo ao maior desenvolvimento compat\u00edvel com a natureza humana.<\/p>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Este pretenso ate\u00edsmo cient\u00edfico tomou o encargo de rebaixar e destruir todos os caracteres da grandeza humana. N\u00e3o pode, contudo, impedir a alma de provar o seu valor, de assomar a mat\u00e9ria, construindo-se de si mesma com os elementos do seu meio e do seu clima.<\/p>\n
\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Ele, o materialismo, n\u00e3o percebe que se a personalidade humana fosse resultado de influ\u00eancias fatal\u00edsticas da Natureza, a crian\u00e7a e o selvagem, sob o governo quase exclusivo dessas for\u00e7as, seriam mais sensatos, mais \u00edntegros que o s\u00e1bio, o fil\u00f3sofo, o artista. Tal consequ\u00eancia destr\u00f3i, por si s\u00f3, a teoria dos nossos advers\u00e1rios.<\/p>\n
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Autor: Camille Flammarion<\/strong><\/p>\nFonte: Deus na Natureza\u00a0Tomo III – Cap\u00edtulo III –\u00a0A VONTADE DO HOMEM<\/p>\n
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A VONTADE DO HOMEM \u00a0 \u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0A palavra liberdade \u00e9 empregada num sentido mais ou menos lato. H\u00e1 fil\u00f3sofos que atribuem ao homem uma liberdade ilimitada. A seu ver, o homem cria, por assim dizer, a sua pr\u00f3pria natureza, adquire as faculdades que deseja e age independente de qualquer lei. Tal liberdade est\u00e1 em contradi\u00e7\u00e3o com…<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[1],"tags":[162,172,72],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3095"}],"collection":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=3095"}],"version-history":[{"count":2,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3095\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":3098,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3095\/revisions\/3098"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=3095"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=3095"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=3095"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}