<\/a><\/p>\nQuando, descendo ao fundo de n\u00f3s mesmos, querendo aprender a nos conhecer, a analisar nossas faculdades; quando, afastando de nossa alma a borra que a vida acumula, o espesso envelope de preconceitos, erros e sofismas que t\u00eam revestido nossa intelig\u00eancia; penetrando nos recessos mais \u00edntimos de nosso ser, encontramo-nos face a face com esses princ\u00edpios augustos sem os quais n\u00e3o haveria grandeza para a humanidade: o amor ao bem, o sentimento de justi\u00e7a e de progresso. Esses princ\u00edpios, que se encontram em diversos graus, tanto entre os ignorantes quanto entre os homens de g\u00eanio, n\u00e3o podem vir da mat\u00e9ria, desprovida que est\u00e1 de tais atributos. E se a mat\u00e9ria n\u00e3o possui essas qualidades, como poderia formar, sozinha, os seres que delas s\u00e3o dotados? O senso do belo e do verdadeiro, a admira\u00e7\u00e3o que sentimos pelas grandes e generosas obras, n\u00e3o poderia ter a mesma origem que a carne de nossos membros ou o sangue de nossas veias. Est\u00e1 l\u00e1, na sua maior parte, como os reflexos de uma luz sublime e pura que brilha em cada um de n\u00f3s, da mesma forma que o sol se reflete sobre as \u00e1guas, quer estejam perturbadas ou l\u00edmpidas.<\/p>\n
Em v\u00e3o se pretende que tudo seja mat\u00e9ria. E apesar de que ainda que nos ressintamos de poderosos impulsos de amor e de bondade, j\u00e1 conseguimos amar a virtude, o devotamento, o hero\u00edsmo; o sentimento da beleza moral est\u00e1 gravado em n\u00f3s; a harmonia das coisas e das leis nos penetra, nos arrebata. E, com tudo isso, nada nos distinguiria da mat\u00e9ria? Sentimos, amamos, possu\u00edmos consci\u00eancia, vontade e raz\u00e3o e proceder\u00edamos de uma causa que n\u00e3o encerra essas qualidades em nenhum grau, de uma causa que n\u00e3o sente, n\u00e3o ama nem conhece nada, que \u00e9 cega e muda? Superiores \u00e0 for\u00e7a que nos produziu, ser\u00edamos mais perfeitos e melhores que ela!<\/p>\n
Uma tal maneira de ver n\u00e3o suporta um exame. O homem participa de duas naturezas.<\/p>\n
Por seu corpo, por seus \u00f3rg\u00e3os, deriva da mat\u00e9ria; por suas faculdades intelectuais e morais, \u00e9 esp\u00edrito.<\/p>\n
Dizendo ainda mais exatamente, relativamente ao corpo humano, os \u00f3rg\u00e3os que comp\u00f5em essa admir\u00e1vel m\u00e1quina s\u00e3o semelhantes a rodas incapazes de agir sem um motor, sem uma vontade que as coloque em a\u00e7\u00e3o. Esse motor \u00e9 a alma. Um terceiro elemento religa os dois outros, transmitindo aos \u00f3rg\u00e3os as ordens do pensamento. Esse elemento \u00e9 o perisp\u00edrito, mat\u00e9ria et\u00e9rea que escapa aos nossos sentidos. Envolve a alma, acompanha-a ap\u00f3s a morte nas suas peregrina\u00e7\u00f5es infinitas, depurando-se, progredindo com ela, constituindo um corpo di\u00e1fano, vaporoso. Voltaremos, mais adiante, a comentar sobre a exist\u00eancia desse perisp\u00edrito, chamado tamb\u00e9m de duplo flu\u00eddico. (1)<\/p>\n
O esp\u00edrito jaz na mat\u00e9ria como um prisioneiro em sua cela; os sentidos s\u00e3o as aberturas pelas quais se comunica com o mundo exterior. Mas, enquanto a mat\u00e9ria, cedo ou tarde, declina, periclita e se desagrega, o esp\u00edrito aumenta em poder, fortifica-se pela educa\u00e7\u00e3o e experi\u00eancia. Suas aspira\u00e7\u00f5es se engrandecem, se estendem para al\u00e9m da t\u00famulo; sua necessidade de saber, de conhecer e de viver n\u00e3o tem limites. Tudo mostra que o ser humano pertence apenas temporariamente \u00e0 mat\u00e9ria. O corpo n\u00e3o \u00e9 sen\u00e3o uma vestimenta emprestada, uma forma passageira, um instrumento com a ajuda do qual a alma prossegue, nesse mundo, sua obra de depura\u00e7\u00e3o e de progresso. A vida espiritual \u00e9 a vida normal, verdadeira, sem fim.<\/p>\n
<\/p>\n
L\u00e9on Denis, do livro \u201cO porqu\u00ea da vida\u201d, cap\u00edtulo III<\/strong><\/em><\/p>\n <\/p>\n
(1) Ap\u00f3s alguns anos, uma certa escola se esfor\u00e7ou em substituir o dualismo da mat\u00e9ria e do esp\u00edrito pela teoria da unidade de subst\u00e2ncia. Para ela a mat\u00e9ria e o esp\u00edrito s\u00e3o estados diversos de uma s\u00f3 e mesma subst\u00e2ncia que, na sua evolu\u00e7\u00e3o eterna, se afina, se depura, tornando-se inteligente e consciente. Sem abordar aqui a quest\u00e3o de fundo, que necessita de longos desenvolvimentos, \u00e9 preciso reconhecer que a id\u00e9ia que at\u00e9 agora se fazia da mat\u00e9ria estava errada. Gra\u00e7as \u00e0s descobertas de Crookes, Becquerel, Curie, Lebon, a mat\u00e9ria nos aparece hoje sob estados muito sutis e, nesses estados, reveste-se de propriedades infinitamente variadas. Sua flexibilidade \u00e9 extrema. A um certo grau de rarefa\u00e7\u00e3o, transforma-se em energia. G. Lebon pode dizer, com aparente raz\u00e3o, que a mat\u00e9ria n\u00e3o \u00e9 mais que a energia condensada e a energia, a mat\u00e9ria dissociada. Quanto a deduzir desses fatos que a energia inteligente, em um momento dado de sua evolu\u00e7\u00e3o, torna-se consciente, \u00e9 ainda uma hip\u00f3tese. Para n\u00f3s, h\u00e1, entre o ser e o n\u00e3o ser, uma diferen\u00e7a de ess\u00eancia. Por outro lado, o monismo Haeckelien, recusando ao esp\u00edrito humano uma vida independente do corpo e rejeitando toda no\u00e7\u00e3o de sobreviv\u00eancia, termina logicamente nas mesmas conseq\u00fc\u00eancias que o materialismo positivista e incorre nas mesmas cr\u00edticas.<\/address>\n <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
N\u00e3o h\u00e1 efeito sem causa; nada procede do nada. Esses s\u00e3o axiomas, isto \u00e9, verdades incontest\u00e1veis. Ora, como se constata em cada um de n\u00f3s a exist\u00eancia de for\u00e7as e de poderes que n\u00e3o podem ser considerados como materiais, h\u00e1 a necessidade, para explicar sua causa, de se chegar a uma outra fonte al\u00e9m da…<\/p>\n","protected":false},"author":11,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[1],"tags":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1831"}],"collection":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/users\/11"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=1831"}],"version-history":[{"count":4,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1831\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":1836,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1831\/revisions\/1836"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=1831"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=1831"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/aela.pt\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=1831"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}